BCP - O título que (erradamente) se ama ou se odeia

O BCP é a Apple portuguesa, por gerar tantas paixões como gera inimizades. Poucos são os investidores nacionais que lhe ficam indiferentes. Ou se ama, ou se odeia! E, por definição, ambos os extremos estão errados. Quando se perde a visão fria e racional sob um título, das duas uma: ou se perde dinheiro ou oportunidades. Se fosse obrigado a escolher entre um dos dois extremos, escolheria certamente o segundo, por ser o único que defende a lógica de preservação de capital. Como não sou, escolho o centro: a atenção cuidada a uma empresa que tem potencial, mas que está há 9 anos a perder valor de mercado. 

Queria evitar hoje aprofundar demasiado a análise a este título de um ponto de vista técnico ou fundamental (lá irei em breve, fica prometido). Sinceramente, acho que já nenhuma análise faz mudar de ideias ou leva a reflectir quem está de um dos lados da barricada. Se eu dissesse que a última vela de sexta indiciou alguns sinais de exaustão, os apoiantes do BCP veriam nas minhas palavras um sinal de esperança relativamente a um futuro próspero. Se eu dissesse que continuamos em mínimos históricos e que não existem ainda sinais de inversão, seriam os contestantes a ver aí mais um argumento para se manterem longe e criticarem pelo caminho os apoiantes. Se referisse ambos os pontos de vista, cada um dos lados ficaria focado no argumento defensor da sua perspectiva. Pretendia, portanto, deixar hoje uma reflexão um pouco mais "filosófica", baseada em duas histórias com títulos da nossa praça.

Começo pela história da Jerónimo Martins, que (como muitas outras) desvalorizou cerca de 90% entre 1999 e 2001. Durante muitos anos, nesse passado longínquo, a Jerónimo Martins foi o equivalente ao BCP. Era o título do momento, que muitos amavam e outros tantos odiavam e gozavam. Lembro-me como se fosse hoje da forma como um famoso utilizador de um histórico fórum de bolsa a defendia com unhas e dentes. Ia publicando os movimentos da sua carteira, constituída globalmente por este título, e lembro-me de entre 2002 e 2004 ele começar a mostrar sinais de exaustão psicológica. Continuava a acreditar, continuava a defender, mas à medida que ela ia recuperando ele ia liquidando a sua posição enquanto celebrava publicamente o facto de afinal ter estado correcto durante largos anos. Em 2004, deixou de aparecer. Não sei ao certo como acabou essa história, nem tão pouco se a posição que ele ia relatando era verdadeira ou falsa. Mas acredito que fosse verdadeira, por nunca ter ocultado as perdas nos momentos maus. Tal como acredito que ele, no final, não tenha conseguido ganhar dinheiro com a Jerónimo Martins. Deixou-se vencer pelo cansaço, e quando o título finalmente começou a recuperar a sua dignidade e valor, vendeu no break-even para colocar um fim vitorioso do ponto de vista psicológico àquele longo calvário. Nunca mais soube nada dele.

Do outro lado da barricada estavam os que odiavam o título. Lembro-me também de os ver a continuar a odiar, mesmo depois de em 2004 a subida ter mostrado fortes sinais de consistência. Aprenderam a odiar, e nada nem ninguém os faria levar a pensar o contrário. Vencidos pelo cansaço de a ver subir, alguns acabariam por abrir uma posição numa retracção de 2008, já com o movimento muito próximo do  topo que havia de a voltar a fazer inverter por largos meses. 

A outra história é mais recente, e tem como protagonista o Banif. Quem me conhece sabe que não gosto de extremar a minha opinião em público, por saber que a verdade vai muito além do preto ou do branco (e ter noção de que dificilmente sou dono dela), mas confesso que sempre tive uma embirração particular com o Banif. Via os sinais de implosão, e custava-me bastante ver perdas acumuladas em todos os que apenas compravam pelo baixo valor unitário dos seus títulos. Estávamos em 2014, e eu tinha escrito um post particularmente acutilante relativamente ao que achava do título: depois de pouco tempo antes ter vindo de 10 até 1,2 cêntimos, acreditava que o peso do aumento de capital forçaria os títulos a derraparem mais 20% e a convergirem com a marca do cêntimo.

Recordo-me que estava a fazer uma palestra sobre mercados em Lisboa, sobre o investimento no mercado Português, e durante a sessão usei o Banif como exemplo. Um dos participantes na sessão aproveitou o debate pós sessão para me dizer que discordava do meu ponto de vista sobre aquele assunto em particular, e que via o Banif novamente a 3 cêntimos dentro de poucos meses. Aproveitou também para me perguntar com que probabilidade eu encararia essa possibilidade, ao que eu respondi que apesar da sempre certa imprevisibilidade dos mercados veria como muitíssimo improvável que tal ocorresse num futuro próximo. A pessoa discordou uma vez mais da minha opinião, e disse-me que eu estava a falhar em ver o valor do título (opinião que eu respeitei profundamente, por já me ter enganado largas dezenas de vezes no reconhecimento de valor a alguns títulos). 

Espero que aquele participante tenha saído dessa sessão com uma visão diferente da que tinha, que lhe tenha permitido fugir a tempo do que acabou por acontecer ao Banif. Infelizmente conheço dezenas de pessoas que não conseguiram fugir a tempo e foram esmagadas pelo que aconteceu no Banif. É importante que se perceba que por vezes a "simples" existência de valor não é suficiente para fazer um título crescer. Fazem parte da equação que dá balanço ao preço milhares de variáveis distintas, entre as quais se contam a incompetência das administrações, os interesses especulativos, as distracções dos reguladores, a força da irracionalidade, entre tantos e tantos outros. O valor é apenas mais uma variável, poucas vezes a mais importante. 

Entenda-se de uma forma muito clara que não quero com esta história comparar o BCP ao Banif, tal como não o quero comparar à Jerónimo Martins. Queria apenas ilustrar, com dois exemplos extremos, que ter uma posição de ódio ou de paixão nos pode limitar os ganhos ou fazer incorrer em perdas, Mesmo quando temos razão! É fundamental que se dê uma hipótese ao contraditório, que se tente compreender por que motivo o outro lado da barricada é tão apaixonado relativamente às opções que defende. Haverá certamente vários motivos válidos de suporte a essas opiniões contrárias, porque de outra forma estas não teriam tantos apoiantes. Nos mercados, mais importante do que nos agarrarmos cegamente a uma ou a outra perspectiva, acredito que o posicionamento mais lucrativo seja o central. Deixar cair, manter a atenção, e entrar aos poucos sempre que os sinais de inversão comecem a dar mostras sólidas de instalação. De uma forma fria, calculista, deixando de lado clubismos ou visões tendenciosas. Porque, acreditem, raramente há preto ou branco nos mercados. É quase sempre a área cinzenta a dominar os movimentos, o que torna particularmente difícil encontrar as respostas certas nos extremos.


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